Para pairar e ler um pouco de tudo. Para se sentir que existe vida aqui. Fotografias tiradas de www.flickr.com

quinta-feira, 17 de abril de 2008

"A Última Esperança"


Já não escrevo há muito tempo..desabafo por dentro, só para mim, no meio da grande desarrumação de pensamentos, sentimentos e novas mudanças. Reli este texto hoje. Apeteceu-me reviver uma amizade, aquela amizade que vivia há uns tempos atrás. Consegui revivê-la neste texto.. Foi escrito pelo João, foi enquadrado por mim, com uma fotografia dele, para imortalizar o melhor texto que alguma vez li dele. Passados anos, continuo a dizer que foi o melhor texto que ele escreveu. Espero que gostem:

O que era meu, varreu. Perante as altas ondas daquele furibundo mar, escorreu, torceu e sofreu! Perante a alma, perante a mais crua das Verdades que é no fundo, a mais fútil das banalidades, o que posso e o que amo, agarrou-se ao mais alto mastro estendendo a bandeira suplicando o Silêncio das almas que jamais falariam. Quero pegar eu num remo e Meditar no teu Amor, quero eu vendar os olhos cingindo-me ao intrínseco pensamento que aparentemente todos estamos habilitados a ter, pensando na virtude da Razão mas amaldiçoado por esta Ignorância, este medo, esta sina! A minha eterna e desvendada mentalidade, que respira Conhecimento e Maturidade, não sabe pois, agora, depois de gritos de imposição e constrangimento de defesa da mais bela das cruzadas junto à espada que juntos empunhamos, não sabe pois que palavras escolher. Ouço as notas dum Piano que subtilmente deixa o seu som correr ao longo do infindável salão. Toca nota a nota a partitura mais bem escrita e perdida nos sonhos do Compositor onde por acaso foi encontrada, depois revelada, questionada e é hoje fruto de devoção. Não passaria na cabeça de homem algum que segurasse a taça de champanhe mais bem cuidada roçando a gravata talhada pelo Alfaiate mais cuidadoso, alfaiate este que se gaba no seu próprio silêncio, do seu silêncio mesmo em si, de interromper o caríssimo pianista, fruto de anos sentado a olhar preto no branco o que a perfeita ignorância escreveu de modo a soar divinal ao ouvido mundano, dizendo: ‘enganou-se numa nota, caro senhor.’. Espreitando à janela, à luz da lua que se reflecte no seu olho direito, queimado do esforço de estar fechado face às pequenas notas escritas no guardanapo apoiado no joelho enquanto pega uma moeda de 50 escudos para que se luxurie com as novidades redundantes no diário esfumado de cultos e cheirando a uma mistura de café e tabaco, está desempregado, lamentado, corroído pelo silêncio não imposto mas por si só existente, um Jovem com a boina posta na cabeça que divide a lua das velas francesas cuidadosamente dispostas no candelabro de ouro, cujo pianista usa para se possibilitar uma visão mais clarificada das notas por ele lidas e não escritas. O pianista, de costas para a janela, olha nos olhos do cavalheiro e analisa o seu agrado. ‘Proporcionará alguém, momentos tão ou mais belos como os meus? Jamais.’ A sua Humildade impressionaria qualquer um, e os seguinte pensamentos também, não fosse o secretário entrar sala a dentro exclamando ao excelentíssimo cavalheiro a sua atenção para um vulto na janela. O vulto levanta-se, assustado e perseguido pelo tiritar dos joelhos, pede clemência, grita revoltado com a sua Ignorância e apesar das mais belas verdades que este possa dizer reclamando o poder ao verter no exterior a vontade do seu desabafo, homens com 'blazers', capas que descem até ao joelho e coletes onde penduram o seu relógio, atiram-no ao chão num silêncio imposto, rasgado à verdade de modo a contribuir para que o senhor cavalheiro, cuja cara permanece na Escuridão e sua mão desce tranquilizando o pianista com um: ‘Continua, estou-te a ouvir.’ continue sentado nesse mesmo salão.



Susana

2 comentários:

Anónimo disse...

Lembro-me bem deste texto... traz de facto boas memórias Susi!

Cacao disse...

uma palavra: elegância.